Uma vida a cada 40 segundos

Aug 2, 2020
Crónicas

O mundo, tal como o conhecíamos, mudou e não há forma de o negar. As notícias que inicialmente nos chegavam em dezembro da China passaram, à semelhança do próprio vírus, a fazer parte do nosso quotidiano, proliferando do oriente para o ocidente. Aquela que, à época, nos era uma realidade longínqua e praticamente impossível de se verificar- o contexto de pandemia- materializou-se. De um instante para o outro, vimos as nossas vidas mudarem radicalmente com todos os constrangimentos que daí decorreram. A solidão, a incerteza, a inquietação e o medo em relação ao futuro passaram a ser uma constante junto de cada um de nós. Todas as nossas fragilidades começaram a vir ao de cima, fazendo com que fossemos obrigados, enquanto sociedade, a repensar um tema que tem sido, ao longo do tempo, menosprezado e estigmatizado- a saúde mental.

O teletrabalho, um dos principais mecanismos de resposta à crise pandémica por parte das empresas a fim de garantirem o exercício da sua atividade, originou um misto de fenómenos. Se por um lado, permitiu que os trabalhadores tivessem uma maior liberdade e autonomia. Por outro, observou-se um crescimento do isolamento social, uma maior dificuldade de distinguir e estabelecer fronteiras entre o domínio pessoal e o profissional, bem como um aumento do número de horas de trabalho. Na sequência destes fenómenos, o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues, acredita que a pandemia vai provocar um agravamento do quadro clínico da população portuguesa, tornando 2020 um dos piores anos ao nível da saúde mental.

De acordo com Francisco Miranda Rodrigues, os custos associados aos problemas de saúde psicológica resultantes do facto do teletrabalho não ter sido pensado, nem planeado e de não ter havido formações neste domínio, bem como o desenvolvimento de estratégias de trabalho alternativas, serão extremamente elevados. Consequentemente, agora, mais do que nunca, é fundamental que o país aposte em medidas de sensibilização, procure criar um programa de apoio integrado que apresente uma perspetiva de longo prazo e promova a criação de regulamentação na área dos riscos psicossociais. Além disso, é também preciso que as empresas tenham um papel mais ativo em termos da saúde mental, uma vez que as pessoas são o seu ativo mais precioso.

As principais consequências associadas aos problemas de saúde mental junto das organizações são o absentismo (ausência intencional e/ou habitual do trabalho),o presentismo (redução da produtividade fruto de os trabalhadores estarem a trabalhar abaixo das suas capacidades devido a uma doença física ou mental), perda da qualidade do trabalho realizado e a criação de conflitos, tal como a degradação do clima dentro da empresa. Em resultado destes fenómenos, verificam-se problemas em termos de eficiência e de produtividade, não só ao nível empresarial, como da própria economia.

No relatório “Custo do Stress e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho, em Portugal”, elaborado em 2019, as perdas de produtividade no conjunto da economia portuguesa estão compreendidas entre os mil milhões e os 3,2 mil milhões de euros. No entanto, a elaboração de medidas de intervenção nesta área permitiria uma redução bastante acentuada do desperdício de recursos que se encontra inerente e que advém da adoção de um comportamento supérfluo e ignorante por parte da sociedade. Além do mais, neste mesmo relatório é apresentado ainda um estudo de Matrix (2013) que determinou que os benefícios económicos gerados pela adoção de programas de promoção da Saúde Psicológica no trabalho, poderiam variar entre 81 cêntimos e 13.62€ por cada euro utilizado nestes mesmos programas, o que pode representar um ganho significativo.

A forma como a saúde mental é vista na nossa sociedade necessita de ser urgentemente alterada. A depressão não é sinónimo de fraqueza, os ataques de pânico não são caprichos e nenhuma doença do foro psicológico é expressão de um estado de loucura. A ausência de tratamento pode ter consequências nefastas e irreversíveis, entre as quais, o suicídio. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), todos os anos, cerca de 800 mil pessoas suicidam-se, o que corresponde à perda de uma vida por cada 40 segundos. É fulcral que as pessoas que sofrem destes problemas reconheçam e procurem ajuda sem serem alvo de preconceitos. Neste sentido, é fundamental que este tema deixe de ser tabu e comece a ser falado abertamente, mas para tal, é preciso que seja encarado e procuremos educar a população para o mesmo.

 

Imagem: Cintesis

João Patronilho

Estudante da licenciatura de economia no ISCTE. Membro do Falatório.

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