Automação e empregos da treta

Jul 30, 2020
Crónicas

Durante a pandemia os perigos da automação estão mais presentes do que antes. De acordo com um estudo da universidade de Chicago com o paper intitulado “COVID-19 Is Also a Reallocation Shock” entre 32% a 42% dos trabalhos perdidos nos Estados Unidos da América perderam-se de vez. Acrescenta ainda, entre outras coisas, que o teletrabalho vai afectar de vez cerca de um décimo de todos os trabalhos, um quinto dos trabalhos de escritório. Isto é relevante a vários níveis: Primeiro, fica claro que a economia vai ter que levar com uma reestruturação, potencialmente nunca antes vista. Irá ser inevitável, seja com o Estado a tomar a iniciativa ou as próprias dinâmicas de mercado a mudarem. Segundo, talvez o mais importante, o papel do Estado na recuperação da crise não poderá ser de manter os empregos mas sim de manter os rendimentos. Por muito socialista que nós queiramos que o Estado seja, temos que aceitar que vivemos numa situação em que o mercado é a grande instituição da economia, o Estado deverá certificar-se que este funcione da melhor forma.

Com efeito, a situação de lay-off não é de todo uma situação sustentável a longo prazo, creio que ninguém acredita nisso. Chegaremos a um momento em que o lay-off não será possível e teremos que assumir as grandes taxas de desemprego. É uma medida que ajuda sobretudo as pequenas empresas que se vêm forçosamente fechadas em períodos de pandemia, mas é nas grandes empresas onde o lay-off não terá grande efeito. A grande discussão será o nível de rendimentos que serão assegurados aos desempregados, aqui é que entra a discussão se teremos de assegurar a procura para a oferta não desaparecer ou se será melhor deixar o mercado ajustar-se “naturalmente”.

Porém, há algo que nós não teremos que nos preocupar, o sistema capitalista é perfeito a arranjar empregos. Existe um antropólogo chamado David Graeber que há alguns anos escreveu um artigo intitulado “On the phenomenon of Bullshit jobs: A work rant”. Ele no fundo explica como, contra todas as previsões o mercado conseguiu modificar-se de tal forma que cada vez são criados empregos verdadeiramente inúteis para a sociedade. Keynes e muitos outros cientistas sociais nos anos 30 previram que no final do século XX, nas sociedades mais desenvolvidas, só seria preciso jornadas de trabalho de cerca de 15 horas semanais. Isto não era visto como uma utopia ou um desejo mas uma análise realista da época de como os robôs poderiam trabalhar para nós. Na realidade verificou-se o contrário. Nos anos 30 tinha-se apenas cerca de metade da população a trabalhar, as mulheres eram destinadas ao trabalho em casa com a família. Hoje, para além do trabalho de casa, as mulheres também têm a obrigação social de trabalhar no mercado trabalho. Para além disso, apesar das jornadas de trabalho terem diminuído ligeiramente pós anos 50 até aos anos 80, hoje em média cada cidadão trabalha mais que nos 70. A grande questão é como é que isto é possível?

Na verdade, estes empregos não são destinados à criação de bens e serviços que melhorem de uma forma directa a qualidade de vida da população. São empregos dos chamados serviços financeiros, telemarketing, uma avalanche de advogados nas empresas, relações públicas e muitos outros. Para além disto, temos empregos como pessoas que entregam pizza toda a noite ou até pessoas que lavam cães, empregos que existem sobretudo porque as pessoas que trabalham não têm tempo de lazer suficiente. Ainda temos o grande número dos chamados “paper pushers” aqueles que passam o dia a ler e a escrever relatórios, a mandar mails, no fundo burocratas. São pessoas que de acordo com alguns especialistas só passam as 15 horas por semana a trabalhar e o resto a organizar relatórios ou a fazer updates no facebook. Jaffrey Hammerbacher, um dos ex responsáveis do Facebook e considerado um dos maiores especialistas em data diz, “The best minds of my generation are thinking about how to make people click ads (...) “That sucks.”. Todos estes empregos o que fazem é redirecionar a riqueza, ganhar maior competitividade no mercado.

No fundo, apesar do PIB crescer 2-3% todos os anos, não está ser criado grande valor à sociedade. Talvez uma forma de mudar isto é adicionar as horas de lazer ao PIB, considerar o descanso como riqueza. Em vez de nos preocuparmos a consumir mais e a arruinarmos o planeta com isso, seria melhor se optássemos todos por ter mais tempo livre para passarmos com a família, ou a fazer coisas de que realmente gostamos. É preciso mudarmos a forma como vemos o trabalho e a produtividade do trabalho. A solução não passaria simplesmente por acabar com estes empregos, isso não vai acontecer e só haverá mais “empregos da treta”, mas creio que seja possível reduzir de uma forma gradual as horas de trabalho, poderá até ser uma das soluções para o elevado desemprego. Não só é possível como também seria benéfico para todos.

Imagem: Unherd

João Amorim

Estudante da licenciatura de economia do ISCTE-IUL. Membro fundador do Falatório

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