O fogo (de revolta) que não pode ser apagado

Jul 28, 2020
Crónicas

Iniciou-se o período do ano em que a problemática dos incêndios constitui a discussão primordial e o tema Nº 1 nos meios de comunicação social. É neste período homólogo que, todos os anos, a preocupação com o património florestal e a perda de vidas humanas deflagra, para se apagar alguns meses depois, como o fogo, deixando para trás silêncio e destruição. Se as consequências dos incêndios são perpétuas, o debate e ação política sobre como atenuar este problema também o deveria ser. Mas, não o é. É efémero e esfuma-se.

Um excelente triste exemplo do período mencionado acima ocorreu na passada semana, com a notícia do acidente de um carro de bombeiros, que resultou na morte de um jovem de 21 anos e 4 feridos.

Será para todos familiar, que anualmente, as grandes figuras políticas são as primeiras, depois de o mal ter ocorrido, a desculparem-se e a oferecer novas soluções e novos fundos para combater estes desastres naturais (e humanos) no ano seguinte. Este debate é esquecido durante o resto do ano, e o mal volta a acontecer. A prevenção tem de ser feita antes da época dos incêndios começarem e certamente não durante, ou depois como método de atenuar e desculpar o acontecido. Entretanto, enquanto este “circo” vicioso perdura, vida florestal e humana é perdida, sendo que muitas das vítimas desta última são bombeiros, que dão a sua vida para “remendar” a falta de planeamento dos órgãos (supostamente) competentes.

Segundo um estudo realizado no âmbito de uma tese de doutoramento de psicologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, onde foram integrados 850 bombeiros de Portugal continental,  12% apresentou um conjunto de sintomas que permitiu o diagnóstico de perturbação pós-stress traumático e 80% com alguns dos sintomas. É óbvio o suficiente que esta profissão prejudica, e em grande grau, a saúde psicológica dos seus trabalhadores. No que concerne à saúde física, é factual que, devido às condições perigosas em que trabalham e à constante inalação de fumo, esta profissão constitui também um perigo para a integridade física de quem a pratica.

Quem tiver curiosidade ou necessitar de consultar os decretos-lei aplicáveis aos bombeiros, constata facilmente que existe uma extensa lista de ajudas e regalias que vão desde seguros de saúde próprios, condições especiais em termos de subsídios de reforma, ajuda às famílias em caso de morte (subsídios de vida), entre outros. Isto, aparentemente, para os bombeiros profissionais e voluntários. A grande questão é se estas ajudas, tão zelosamente incorporadas em documentos legais, estarão efetivamente a ser implementadas e distribuídas de forma eficiente e equitativa. A avaliar pelo número de greves e protestos realizados nos últimos anos por bombeiros, a desejar melhores condições e ajudas, diria que alguma lacuna existe.  É pouco percetível se os bombeiros são ou não legalmente recompensados como profissão de risco e/ou de desgaste rápido, mas que o deveriam ser é certo. O mais provável é que disponham de um estatuto específico, mas não suficiente, que resulta em pensões e subsídios de baixo valor e que conduzem a um estado precário de subsistência. Adicionalmente,os riscos acrescidos pelo cada vez maior agravamento dos incêndios(independentemente da origem ter sido natural ou criminosa) derivados das graves alterações climáticas, e ineficiência da ação política neste ramo, potenciam um piorar da sua situação.

Certamente deve ser quase unânime entre os leitores, que a atribuir uma pensão vitalícia, essa seja alocada aos bombeiros, cuja profissão constitui uma carreira menos contributiva, mas contribui mais para o seu desgaste físico e psíquico, do que aos membros da Assembleia da República (entre outros). Acontece exatamente o contrário. Enquanto que os bombeiros sofrem na sua atividade profissional pela falta de medidas de prevenção, que deveriam ser planeadas e votadas na Assembleia, são estes deputados e ministros que recebem, muitas vezes, pensões vitalícias por apenas 8-12 anos de trabalho parlamentar. Apesar de estas pensões não estarem aparentemente em vigor atualmente, existem ainda inúmeros ex-políticos, juízes do tribunal constitucional, entre outros, que as recebem. Ora, isto a mim não me parece justo. Há que acabar com as regalias injustificadas (apenas justificadas por direitos adquiridos) e começar a atribuí-las a profissões de risco e de desgaste rápido, que certamente não são as dos governantes.

 

Imagem: Lusa

Catarina Marcão

Estudante da licenciatura de economia do ISCTE-IUL. Membra fundadora do Falatório.

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