Uma possível “vacuna” para erradicar a pobreza

Jul 9, 2020
Crónicas

Por esta altura uma das pesquisas mais frequentes na internet é sobre a vacina para a covid-19. Enquanto economista em formação, a minha maior preocupação é como se arranja uma vacina para curar esta “doença” que se alastra rapidamente em tempos de crise. Estou a falar pois da pobreza.

Na verdade, não tive que procurar muito para descobrir fortes candidatos para esta vacina, aquela que se mostrou mais promissora foi ao nosso lado em Espanha. A vacina é simples, dar dinheiro aos cidadãos. Trata-se de uma nova velha ideia a que se chama Rendimento Básico Incondicional (RBI). Nesta fase inicial, que começou em junho, o governo espanhol cede um dividendo a 2,3 milhões de pessoas com o valor entre  461 a 1.015 euros. A promessa é que esta medida veio para ficar e que idealmente isto seria para toda a população.

Um pouco de história

Esta medida está a ser testada um pouco por todo mundo há pelo menos um século. O primeiro teste foi algures em Speenhamland em Inglaterra no final do século XVIII, mas acabou por poucos ser removida anos mais tarde. O grande motivo foi que bastantes rebeliões ocorreram nessa zona. A questão é que os analistas da altura não tiveram em conta que essas rebeliões aconteceram um pouco por todo o território da Grã-Bretanha graças à implementação das máquinas têxteis que tiraram o trabalho a muitas famílias. Na verdade a maior parte da documentação foi realizada antes da experiência acabar o que tornou este estudo no mínimo enviesado. Karl Polanyi tornou esta experiência famosa ao falar de como os pobres podem aproveitar-se deste sistema o que fechou o debate do RBI. Os historiadores só voltaram a pegar nesta experiência nos anos 70 do século XX e notaram que houve bastantes incoerências na análise feita na altura.

Porém, Polanyi foi uma das razões pelas quais o presidente Nixon desistiu de implementar o RBI. Sim, o presidente republicano Richard Nixon esteve quase a implementar o RBI nos Estados Unidos da América. A medida foi aprovada duas vezes no congresso mas foi chumbada no senado pelos democratas porque o valor em causa era demasiado baixo. Outro factor, talvez o mais importante, foi a Estatística que chocou os americanos: a taxa de divórcio subiu 50%! Mais tarde veio-se a revelar um erro estatístico e a taxa de divórcio manteve-se constante. Porém, o medo do empowerment das mulheres assustou toda a sociedade americana e acabou por se desistir da ideia.

Trickle up economy

O porquê é bastante simples na verdade, acabar com a pobreza e fazer com que todos os indivíduos possam atingir o seu potencial enquanto agentes que contribuem para esta sociedade. O historiador Rutger Bregman chama-lhe “venture capital” para todos. Dá mais liberdade de escolha do emprego, de começar um negócio, de fazer a licenciatura ou de gastar mais tempo a cuidar dos filhos. Todos estes factores são constatações empíricas. O emprego não diminui significativamente nem tão pouco a produtividade baixa como muitos especulam.

Para além disso, o RBI permite criar uma economia que funciona para todos, permite valorizar os empregos que todos nós dependemos: professores, profissionais de saúde, homens do lixo, profissionais que se especializam no cuidado de crianças e idosos, etc… Muitas destas profissões têm sido desvalorizadas em termos salariais e dá uma hipótese destas pessoas fazerem o “trabalho sujo” que quase ninguém quer fazer. Estes são os indivíduos que formam a base da economia e que cada vez são mais importantes. São eles que permitem que a sociedade possa funcionar como funciona. É uma forma de reconhecer que o valor da nossa sociedade não vem dos mais ricos que depois distribuem pelos mais pobres. O valor da sociedade vem de baixo para cima e o RBI é uma oportunidade de recompensar estes profissionais.

Como se paga isto?

Esta é talvez a pergunta mais frequente, e por detrás desta pergunta está escondido um grande desafio para a nossa sociedade, fazer com que o ricos paguem impostos. Os paraísos fiscais fazem com que os Estados percam muitos milhões em receitas de impostos. A Amazon, a Netflix e muitas outras empresas de alta tecnologia pagam zero em impostos. O facebook lucrou quase 20 mil milhões de dólares através dos nossos dados. Existe uma grande indústria que não paga impostos e ainda outra que paga impostos em outros sítios.

Vivemos numa economia onde os ricos ficam cada vez mais ricos e o elevador social parece andar mais devagar. É necessário adaptarmo-nos à nova realidade e transformar esta economia em algo que verdadeiramente funcione para todos e que dê igualdade de oportunidades a todos os cidadãos.

Assim sendo, a pobreza é uma doença antiga para a qual até hoje não existe vacina. Dizem que a crise é sinónimo de oportunidade, apesar de achar esta expressão bastante cínica, é durante a crise que abre a janela de oportunidade para experimentar ideias novas e que consigam emendar este sistema económico.

Imagem: Huiwealth

João Amorim

Estudante da licenciatura de economia do ISCTE-IUL. Membro fundador do Falatório

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