Racismo sistémico (versão covid-19)

Jul 2, 2020
Crónicas

Racismo sistémico é talvez das expressões mais usadas para definir o tipo de racismo que ainda teima a persistir. Apesar de ser tão usado, ninguém percebe muito bem o que significa. Os americanos usam-na sobretudo para descrever as leis do país que foram feitas especialmente para pôr na cadeia grupos sociais mais desfavorecidos, que coincide com as populações negras. Creio que a expressão “racismo sistémico” vai muito para além do ponto de vista legal e incide sobretudo no ponto de vista económico.

Com efeito, um dos fundamentos mais básicos do sistema económico em que vivemos é a chamada acumulação de capital. O capital bem como a riqueza acumula ao longo dos anos. Um bom exemplo disso é a forma como  a terra valoriza. As casas, independentemente da sua localização, tendem a valorizar no longo-prazo. Isto cria logo um factor de desigualdade entre as famílias que pertencem a uma sociedade há centenas de anos e aquelas recém chegadas. Os imigrantes partem de um ponto de desvantagem. O sistema económico evolui de tal forma que a pobreza é em si um problema sistémico. A mobilidade social é um conceito mais distante da nossa realidade à medida que a desigualdade de rendimentos vai aumentando.

Na verdade, Portugal também padece deste problema que é bem visível. Os bairros mais pobres nas grandes metrópoles são dominados por imigrantes ou descendentes próximos de imigrantes. Esses bairros irão continuar no longo prazo a ser dominados por essas mesmas pessoas. Um dos argumentos mais usados contra a imigração é de que os imigrantes trazem o crime. Apesar de ser um argumento sem grande evidência empírica, tem um fundo de verdade mas o curioso é que não é a primeira geração que traz o crime. Os imigrantes tendem a ter comportamentos criminais mais baixos que a restante população. O crime vem com as gerações futuras, vem com a pobreza e com a exclusão social.

É preciso realçar que este fenómeno acontece com todas as pessoas que se encontram em situação de pobreza independentemente da cultura ou cor da pele. Porém, os africanos, muçulmanos, latinos ou até mesmo asiáticos, representam uma maior população em situação de pobreza e por isso são mais atacados. É fácil pormos um rótulo nestas pessoas como criminosas e preguiçosas mas isso seria só contar metade da história. Fechar as fronteiras é uma solução fácil para resolver o racismo sistémico, afinal de contas, se não há pessoas diferentes de nós, não há racismo. Muito mais difícil seria resolver a pobreza sistémica que continua independentemente das fronteiras estarem fechadas ou abertas.

Pobreza com uma pandemia

Desde o início do vírus, uma das grandes mensagens que está a ser passada é de que o vírus não discrimina, todos podem ser portadores da covid-19. Apesar de ser verdade, já não é verdade que o vírus afecta todos da mesma forma. Muito se culpabiliza os velhos por rejeitarem as regras de estado de emergência, muito se culpabiliza os jovens com as festas ilegais.

Porém, basta olhar para os bairros em que os surtos são mais significativos para perceber que não são as festas que estão a causar os novos casos, nem são os velhos que preferem sair de casa para um banco de jardim, é sim a pobreza o maior factor. Neste momento vemos uma separação de classes evidente: entre aqueles que trabalham em casa e aqueles que são obrigados a sair de casa; entre aqueles que têm de apanhar o comboio Sintra-Lisboa à hora de ponta e aqueles que podem ir de carro; entre aqueles que têm uma casa paga e aqueles que têm a renda por pagar.

É verdade que o vírus não escolhe classes sociais mas os pobres, aqueles que vivem nos bairros mais segregados são os mais susceptíveis. Fica novamente muito fácil culpar os ciganos, culpar os imigrantes no geral que não têm o bom senso de cumprir as regras. Para estas populações que vivem da construção civil e do comércio é muito mais difícil cumprir todas as regras de segurança. As manifestações que vemos anti racistas aparentam descabidas em tempo de pandemia mas é durante a crise que a exclusão social se torna mais evidente. As crises no geral não criam os problemas sociais, a crise simplesmente realça as características mais frágeis do sistema.

Imagem: Público

João Amorim

Estudante da licenciatura de economia do ISCTE-IUL. Membro fundador do Falatório

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