Na passada quinta-feira, assistimos a um momento vintage na Assembleia da República, uma manobra fantástica daquele que Álvaro Cunhal denominava, como muitos outros nos pós-25 de abril, de Bloco Central entre os dois gigantes da democracia portuguesa, PS e PSD.
O presidente do PSD, e logo, suposto líder da oposição ao Governo, sendo o PSD o segundo maior partido português hoje, considera que o Primeiro-Ministro precisa de menos escrutínio e foi da sua imaginação que surgiu a proposta de reduzir os debates quinzenais com António Costa a debates bimensais.
O PSD impôs, aliás, disciplina de voto aos seus deputados, tendo 7 ido contra o seu líder parlamentar e votado contra. Na bancada socialista, foram 28 votos contra e 5 abstenções. Logicamente, isto não constituiu obstáculo à vontade de Governo e “oposição”: os votos a favor dos restantes deputados de PS e PSD foram suficientes para aprovar a alteração, apesar do desacordo das restantes bancadas.
As justificações dadas por Rui Rio para a proposta que apresentou deixam um leve sabor a desprezo pela democracia, e pela legitimidade da crítica que a mesma atribui a quem não governa: o líder social-democrata caracterizou os debates quinzenais como sessões de “gritaria” da qual se tiram “soundbytes” e pouco proveito político. Quem ler as suas declarações acerca do tema fica coma ideia de que se trata de tirar o megafone a uma multidão de loucos imbecis.
Mas não, estamos a falar dos deputados da Assembleia da República, eleitos pelo povo soberano para guiar e debater os destinos da Nação.
Numa fase de decisões, sendo que em 2021 vão entrar 45,1 mil milhões do Fundo de Recuperação da UE em Portugal, PS e PSD decidiram retirar instrumentos de fiscalização e escrutínio à oposição, e por consequência aos cidadãos que pouco tempo têm para se embrenhar na atualidade política a ponto de conhecer por completo a atuação do Governo, e estão para isso dependentes dos deputados que elegeram.
António Costa e o PS terão muito que “trabalhar” como apontou Rio, mas a política não é o lugar indicado para quem o quer fazer na sombra. Esta decisão é um ato de desprezo para com a democracia e para com o povo. Não adianta apelar ao voto e falar do monstro abstencionista se o líder do Governo só tem de responder perante os deputados em quem votámos 6 vezes por ano. O Parlamento é a casa da democracia, não é uma chata reunião de pais/professores que tudo fazemos para evitar, se possível.
Mas a proposta de Rui Rio não é apenas mais uma demonstração do seu desgosto pelos instrumentos da democracia, é também mais um sinal da estranha subserviência por parte do PSD desde que o portuense conduz os destinos do partido. Num país em que 2 partidos concentram 80 por cento do eleitorado e supostamente se opõem firmemente, qual não será o espanto dos eleitores sociais-democratas em ver Rui Rio do lado do Governo a cada passo, e mesmo a cada erro, desde o início?
É difícil entender o que move Rui Rio a esta postura de total alinhamento com o PS e António Costa, mas quando a principal oposição ao Governo desiste de fazer oposição e a tenta inclusive limitá-la, aquilo a que assistimos é uma total perda de credibilidade que não deverá ser perdoada nas urnas pelos eleitores de direita. Depois da votação historicamente má do CDS nas últimas legislativas, merecedora do revivalismo da expressão “partido do táxi”, as perspetivas do PSD não são nada boas. Quem agradece é o CHEGA de André Ventura, que vai preenchendo o lugar que o PSD se tem recusado a ocupar: a oposição à direita de um governo socialista. E com estas manobras de cumplicidade do Centrão podemos hoje ver um partido especializado na mais barata demagogia, sem plano económico viável e alimentado apenas pelos medos, inseguranças e frustrações dos portugueses (direcionadas muitas vezes aos culpados mais estapafúrdios) com 7% de intenções de voto e num caminho decrescimento acentuado.
Um aviso: quem não valoriza a democracia ajeita-se a perdê-la.