Se há algo que as crises nos ensinam é que o ser humano tem uma capacidade notável de se reinventar. Há cerca de 100 anos em Portugal, quando o escudo estava constantemente a desvalorizar, quando o metal da moeda valia mais que a moeda em si, um grupo de autarquias resolveu imprimir o seu próprio dinheiro. Este fenómeno verificou-se também nos anos 30 em Terino no estado de Washington nos Estados Unidos da América, perante uma moeda deflacionária no seguimento da grande depressão, a comunidade desta região resolveu fazernotas em madeira. Recentemente com a covid-19 esta comunidade voltou a fazer as notas exatamente da mesma forma que as suas gerações passadas o fizeram. Existem vários nomes para este fenómeno, há quem chame de moeda municipal, moeda social ou moeda comunitária mas o nome que parece haver mais consenso é moeda local.
Vantagens de uma moeda local
O objetivo de uma moeda local é fazer com que a riqueza criada por uma determinada comunidade fique nessa região. É uma forma de por exemplo combater os efeitos da globalização, de grandes multinacionais que se apoderam do mercado local. Havendo uma moeda que apenas se pode utilizar localmente, os consumidores têm uma maior preferência pelos produtores regionais.
Na verdade, são os produtores regionais que mais beneficiam com a moeda local.Havendo mais preferência por parte dos consumidores nos produtos regionais, os mercados locais são cada vez mais incentivados e assim a venda transaciona-sedo produtor diretamente para o consumidor. Este é um ponto importante pois ao remover os distribuidores e retalhistas (agentes que não contribuem diretamente para a produção), o produtor fica com um maior lucro.
Para além disso, ao promover o comércio regional o impacto ambiental é significativamente inferior. Ao tornar o comércio mais direto, a necessidade de transporte é muito menor o que ajuda a preservação ambiental. A economia fica mais localizada e existe uma menor necessidade de importação e de exportação.
Por último, talvez o argumento mais forte, pode funcionar como um mecanismo de estabilização da economia. É uma forma da região ganhar alguma independência fomentando o mercado interno. É uma forma de manter os níveis de confiança da comunidade alta e assegurar um determinado nível de consumo. Os níveis de confiança da moeda convencional como o euro são muito mais voláteis e está dependente de muitos factores. A moeda local não está sujeita a tantas externalidades e por isso é uma moeda mais estável que não é sujeita a especulação.
Os grandes desafios para uma moeda local
O fenómeno em si, apesar de já ter cerca de 100 anos, é bastante novo. Não existem muitas moedas locais que se afirmam de uma forma constante e por um largo período de tempo. A grande parte das moedas que existem foi com a crise de 2008 e por isso não existem muitas estatísticas que nos possam levar a conclusões certas. A moeda local por depender das instituições da região e por essas instituições mudarem de região para região, não existe propriamente uma forma começar amoeda local nem de a gerir.
Existem dois meios mais comuns para começar uma moeda local: a mais comum de todas é com a intervenção do Estado. O poder regional lança uma campanha de sensibilização e informativa de como usar a moeda. Em Bristol a moeda local teve um grande sucesso numa fase inicial, no entanto nos últimos anos os cidadãos começaram a perder o interesse e já ninguém a usa. Em Campolide a partir de 2016, para incentivar os cidadãos a usarem a moeda, é possível trocar o lixo reciclado pela moeda Lixo. No bairro de Santo António em 2016, em vez de dar um cabaz de alimentos aos mais desfavorecidos, começou-se a dar a moeda Santo António de valor semelhante ao cabaz para que possa ser comprado não só alimentos mas também outras necessidades como vestuário e produtos de higiene.Estes produtos apenas podem ser adquiridos no mercado local e nas lojas regionais.
A segunda forma de começar uma moeda local é com a iniciativa da própria comunidade. Na Covilhã uma cooperativa chamada CooLabora promove vários projetos como a igualdade de oportunidades, violência doméstica, igualdade de género,participação cívica, educação e formação e inclusão social. Foi então criado em 2014 o Tear e esta moeda apenas pode ser utilizada no mercado a que foi chamado de Troca de Tod@s. Na Troca de Tod@s o objetivo é fortalecer o espírito comunitário, a solidariedade entre os cidadãos, sensibilizar as pessoas para um consumo mais racional e sobretudo aproximar os produtores locais aos consumidores.
Conclusões
É uma ideia relativamente nova sendo que só a partir da crise de 2008 é que as moedas locais ganharam popularidade. Muitas delas ganharam força, noutras simplesmente se perdeu o interesse. Seja para reciclar o lixo, para ajudar os mais desfavorecidos ou para ajudar os produtores locais, a moeda local mostra uma grande flexibilidade na utilização. A criatividade de como é usada parece ser fundamental para que possa ser assegurada a sua continuidade.
Para mais informações sobre os três casos de moeda local em Portugal: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/29893/1/Moedas%20Locais%20reflex%C3%B5es%20sobre%20tr%C3%AAs%20casos%20em%20Portugal.pdf
Imagem: Jornal da Moeda