No final de 2017, o FMI alerta no seu relatório da 6.ª Avaliação Pós-Programa que a “dependência do turismo deixa Portugal vulnerável a choques externos”. Ora, 3 anos passados e o choque chega sob forma de uma pandemia mundial, cujas características a tornam ainda mais violenta para o setor do turismo, que vê no fecho de fronteiras, no cancelamento de eventos e no bloqueio de viagens um golpe violento no crescimento que vinha a ter nos últimos anos. É certo que Portugal foi apenas um dos inúmeros países e economias afetadas por este vírus que, obviamente, não poderia prever. No entanto, e não por falta de aviso, conseguimos observar a dimensão da fragilidade das peças que constituem a nossa economia, hoje caídas.
Antes de mais, importa relevar que o que aqui está em causa em nada tem a ver com a já vastamente ouvida frase de “temos turistas a mais” ou com as externalidades negativas que este setor pode apresentar quando numa vertente demasiado intensiva. Aliás, o crescimento e rendibilidade deste setor, assim como aconteceria com qualquer outro, é de louvar e respeitar pelos benefícios que traz, não só numa balança de serviços positiva (onde o turismo representa mais de 70% das transferências) mas também nos efeitos induzidos nos setores que a partir dele se desenvolvem, como acontece com o comércio local. França e Espanha, por exemplo, têm as receitas do turismo líderes da Europa que as tornam grandes potências mundiais nesta indústria, algo que representa uma grande mais-valia na dimensão económica destes países.
Mas vejamos, com receitas 3 a 4 vezes superiores a Portugal (o que é normal dada a dimensão e mediatismo destes países) e sendo estes as grandes potências nesta área, França e Espanha apresentavam em 2016 um peso do turismo face ao PIB de 7% e 11.7%, respetivamente, enquanto que Portugal ultrapassa os 12.5%. Portugal é, na verdade, o país da OCDE (dados retirados do seu observatório) cujo setor do turismo mais pesa no PIB. E esta dependência não se identifica apenas nos níveis absolutos do Produto, complementa-se pelo seu contributo para o emprego e o crescimento económico. Foram aliás estes 2 últimos aspetos que fizeram do turismo um setor de tanta importância na recuperação económica que Portugal vinha apresentando no pós-crise.
Porém, tornarmo-nos nas Maldivas da Europa não pode ser uma solução para o nosso país - uma economia dependente do turismo não é propícia a um crescimento sustentado a longo prazo. Neste setor, a procura depende de fatores impossíveis de controlar por um só país,como são as tensões geopolíticas (que aliás beneficiaram Portugal em grande medida), a mudança e resposta rápida dos mercados a alterações, publicidade ou modas e a grande dimensão concorrencial. A volatilidade do mercado do turismo é uma das razões pelas quais não deve ser o pilar basilar de uma economia; a outra reside no facto de que historicamente o crescimento da produtividade neste setor é lento e a mão-de-obra constitui um valor acrescentado reduzido, refletindo-se em salários que pouco crescem, muitas vezes assentes em trabalho temporário ou sazonal.
Em Portugal, verifica-se isto mesmo. Os dados do INE mostravam o setor a criar 30 a 40 mil postos de trabalho anualmente e a gerar aumentos anuais de procura de 8 a 9% e de proveito de 16 a 18% e no entanto a gerar também a revolta das centrais sindicais, uma vez que grande parte dos trabalhadores quer da hotelaria quer da restauração, quer mesmo de serviços turísticos continuavam a receber o salário mínimo nacional e a ter contratos a prazo que não contemplam subsídios de noite e fim-de-semana.Hoje, em plena pandemia, muitos mesmo isso deixaram de receber, uma vez que 73%dos novos desempregados estão ligados ao setor dos serviços e sobretudo ao turismo segundo o estudo “Novo Desemprego: as fragilidades de uma opção produtiva”.
Lisboa representa uma grande parte destes desempregados, mas a dependência do turismo não acontece apenas na capital. O Algarve segue-se nos níveis de novo desemprego nos serviços e para além disso, são várias as aldeias e pequenas localidades ou até municípios que exploraram com qualidade a indústria do turismo expandindo a sua dependência pela vinda de emigrantes portugueses para receber também muitos estrangeiros,fazendo face ao seu distanciamento e desindustrialização com a riqueza natural e social que possuem. Estas encontrar-se-ão este ano ainda mais isoladas e distantes, social e economicamente.
A fase positiva que atravessou o turismo no nosso país ajudou a esconder as fragilidades de uma economia desindustrializada e centralizada, mas não as apagou. Após vários avisos, sejam eles do FMI em 2017, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve em 2019, de professores como Ricardo Reis, da London School of Economics em 2020 ou de tantos outros, os portugueses podem questionar-se com propriedade sobre o que foi feito para que Portugal se desenvolva como economia avançada, descentralizada e robusta, bem como exigir que numa futura recuperação económica após a pandemia, se procurem sustentos mais fortes para o crescimento, com maior vontade reformista e menos aproveitamento conformista.
O Sol, o mar, o clima pacífico a todos os níveis e o prazer que Portugal proporciona a quem o visita não implica uma conversão numa estância turística à beira mar plantada. O turismo pode e deve continuar a ser aproveitado, algo que tem sido da preocupação dos vários grupos parlamentares que se apresentam, e bem, com medidas de recuperação para o setor. No entanto, talvez surpreenda que vos diga que estes recursos naturais e sociais estão ainda subaproveitados, não necessariamente pela hotelaria e restauração, mas por outra perspetiva que poderá também ser interessante que estes grupos tenham em atenção. Eu explico. Já percebemos que Portugal é um local atrativo, então porque não usar estas características para sermos atrativos também para estudantes e trabalhadores, algo que na verdade não é assim tão novo. Já o vimos acontecer quando a Mercedes substituiu um centro em Estugarda, na Alemanha, a maior economia europeia, por um em solo nacional por ser mais apelativo ao recrutamento.
Ora, com universidades com cada vez mais prestígio como as nossas procuram ter e com um país atrativo, porque não explorar e potenciar essa relação? Vivemos (ou voltaremos a viver após a pandemia) num mundo onde cada vez é mais fácil trabalhar e recrutar em qualquer parte do mundo, onde a sociedade dá valor às condições sociais e naturais do local onde está e onde a qualificação e a educação são elementos diferenciadores da produtividade dos países.
Assim, importará aos vários agentes económicos e sobretudo ao planeamento do Estado criar mais e melhores condições para que Portugal aproveite as características de sempre para se tornar num destino diferente, de conhecimento, digital e moderno; porque o Sol e o mar também podem ser tudo isso.
Imagem: Noticias ao Minuto