Forquilhas ao alto, cabeças a rolar

Jul 13, 2020
Crónicas

Não há como esconder que o nosso país enfrenta uma crise sem precedentes. De economia, e de saúde pública. De desconfiança, e de medo. Um sufoco para as contas e para a consciência.

Mais de 46 mil pessoas testaram positivo para a covid-19. No momento em que vos escrevo, 1660 perderam já a vida. Portugal registou mais de 100 mil novos desempregos. Prevê-se uma contração do PIB na ordem dos 10%. Números que assustam e devem preocupar pois continuarão a crescer.

Em tempos de crise tais, é natural a indignação que percorre as veias da maioria dos portugueses. É normal que se procurem responsabilidades, culpados, um alvo para toda a frustração de quem perdeu familiares e amigos, a sua saúde, o seu emprego, as suas poupanças, ou até a capacidade para ter comida na mesa. E é do Estado a responsabilidade de proteger os seus cidadãos no que toca à sua saúde e à sua segurança económica.

É, por isso, natural que a indignação geral seja direcionada a quem nos governa, indignação essa também alimentada por algumas declarações manifestamente infelizes por parte de representantes importantes,como a Diretora Geral da Saúde ou o próprio primeiro Ministro. Destaca-se amais recente declaração da importância de realizar as últimas fases da Liga dos Campeões em Portugal, como um prémio aos profissionais de saúde…

Também a demissão de Mário Centeno do cargo de ministro das Finanças, meses após o inicio do novo mandato, alegando “fim de ciclo” e sendo nomeado para Governador do BP, foi uma alavanca para o subir dos níveis de contestação ao atuar do Governo durante a pandemia. Mais uma vez, é algo que consigo entender, dado se tratar na minha opinião de um ato de cobardia política e promiscuidade, uma combinação nada favorável para a reputação do ex-Ministro.

São válidas muitas das queixas em relação à atuação do governo face a esta crise, caracterizada também por algumas incongruências no que toca ao permitir de certos ajuntamentos e ao proibir de outros, falha sobre a qual não me vou alongar dado não ser o foco desta crónica.

No entanto, a caça às bruxas acaba por ultrapassar os limites do razoável quando se atribuem todas as culpas ao Governo pelos males que enfrentamos.

Primeiro, porque se trata de uma situação sem precedentes para a maioria do povo português (e ocidental). Nenhum de nós tinha antes enfrentado uma pandemia, situação que coloca ameaças à saúde pública e à economia de imensa gravidade, e das quais não se podem fugir: num Mundo de fronteiras cada vez mais abertas era inevitável a sua chegada a Portugal. Impedir totalmente a sua transmissão só seria possível exterminando a economia (o que teria graves impactos sobre a saúde pública). Manter a economia a funcionar da forma “normal” seria desastroso para a saúde pública (impactando assim a economia). Nenhuma entidade pode fazer face com competência imaculada a uma situação que desconhece e acerca qual não tem qualquer referência para responder.

Segundo, porque o balanço atual (obviamente prematuro,claro) não é tão negativo como se possa dar a entender. Na generalidade das zonas do País, as medidas de confinamento e restrições colocadas a espaços públicos e ajuntamentos tiveram efeitos positivos na contenção do vírus, e a retoma a uma “normalidade” condicionada foi possível mantendo a evolução da pandemia relativamente estável, e achatando a curva de contágios. Só na região de Lisboa e Vale do Tejo, que acumula a maioria esmagadora dos novos casos diários atualmente (78% dos novos casos do País, ontem) o desconfinamento trouxe consequências mais nefastas, entre desobediência civil e as circunstâncias naturais de falarmos da região mais densamente povoada e populosa do País. Situação que, é importante, ressalvar, é igualmente observável na generalidade dos centros urbanos europeus…

Terceiro, vendo que muitas das críticas vêm acompanhadas de “soluções milagrosas” como “devíamos ter confinado mais cedo”, “devíamos ter confinado mais tarde”, “as precauções são muito leves”, “as precauções são exageradas”, “desconfinar agora é loucura” e dezenas de outros “comprimidos mágicos”, há várias observações a fazer. Para já, é notório que tudo o que se fizesse antes do “pico” de uma pandemia seria considerado alarmista (como foi), e tudo o que se fizesse depois seria considerado insuficiente (fase em que estamos agora). Isto deve-se à ausência de informação sobre o vírus e como lhe responder que tínhamos inicialmente, assim como ao quanto é fácil apresentar soluções depois de ver os resultados do que se fez. E este tipo de comentários não vem apenas dos cidadãos portugueses: é também uma estratégia de jogo político utilizada pela generalidade da oposição ao governo, e em especial para certas franjas populistas que têm por hábito fazer política sobre cadáveres e não faltaram à chamada. Ironicamente, países governados por populistas dessa franja enfrentam agora autênticos desastres de saúde e economia incomparáveis ao nosso calvário (os exemplos do Brasil e dos EUA devem ficar na memória do eleitorado português). Mas é importante também ver que os resultados de estratégias diferentes praticados pelos diversos países europeus (aos quais a nossa realidade é mais comparável) são…semelhantes. Por exemplo, a suposta solução milagrosa sueca, que consistiu numa estratégia muito relaxada no combate à covid-19 e foi aplaudida pelos muitos revoltados com o confinamento rigoroso imposto em março e abril por cá (visto que, logicamente, tudo que se faz no Norte da Europa é melhor do que o que se faz por cá, no pensamento de muitos portugueses e europeus do Sul), revelou-se afinal uma tragédia: a contração económica será semelhante à nossa,e a Suécia tem hoje mais mortos por covid-19, por milhão de habitantes, do que os Estados Unidos, o Brasil, a Índia, e a Rússia, países cujas populações e densidades populacionais são imensamente superiores às suecas.

Indo de encontro ao objetivo deste projeto, que é trazer bom-senso ao debate político e socioeconómico, é precisamente ao bom-senso que faço apelo: é importante não esquecer que não existe uma solução perfeita para lidar com a situação que enfrentamos. A ação do Governo não é, de todo, o fator mais importante para o cenário que nos vemos forçados a enfrentar. Todas as críticas são legítimas e têm o seu devido lugar (que podem até ser as urnas, quem sabe, nas próximas eleições), mas antes de pegar na arma é conveniente saber quem é o nosso inimigo, e qual o nosso papel nesta batalha. Neste caso, o inimigo é invisível, e o tão enunciado papel de “agente de saúde pública” cabe,sim, a todos nós.

Imagem: Lindblom Consulting
André Pinto

Estudante da licenciatura de economia do ISCTE-IUL. Membro fundador do Falatório.

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