Bem nascer

Jul 17, 2020
Crónicas


Quem não gostaria que os seus filhos fossem mais fortes, inteligentes e saudáveis? Esta é uma pergunta simples que tem também uma resposta simples. Qualquer casal mentalmente são não pensaria duas vezes se lhe fosse dada a oportunidade de ter filhos com capacidade físicas e intelectuais acima da média. Infelizmente, até à data, a ciência ainda não avançou o suficiente para que tal seja possível. Por agora, a única forma de aperfeiçoamento que os seres humanos possuem é a seleção natural e a reprodução seletiva- se quisermos filhos saudáveis e inteligentes temos de escolher como parceiros(as) pessoas saudáveis e inteligentes. É, de facto, um processo que funciona, mas que demora o seu tempo e nem sempre é prático. Urge, portanto, encontrar uma forma de acelerar este processo se quisermos eficazmente aprimorar a nossa espécie. Por sorte, a solução está à vista.

É provável que o leitor esta familiarizado com a palavra Eugenia, e é mais provável ainda que a veja com uma certa repulsa. A prática da eugenia está invariavelmente associada à Alemanha Nazi dos anos 30, onde se efetuaram práticas de esterilização em massa e abortos forçados, naqueles considerados indesejáveis. Contudo, a sua origem está longe de ser no século XX e está na hora de desmistificarmos esta mal-amada palavra.

A prática da eugenia propriamente dita tem os seus primeiros registos na Grécia Antiga. Platão, no seu livro A República, descreveu a sociedade a aperfeiçoar-se através de métodos seletivos conhecidos na altura e os Espartanos eram conhecidos por abandonar os recém-nascidos que apresentassem defeitos físicos. Na verdade, o infanticídio de bebés deficientes foi prática comum em praticamente todas as culturas antigas, e ainda hoje existem diversas tribos de indígenas endossam essa prática. O termo em si foi cunhado por Francis Galton em 1883 na sua obra Inquiriesinto Human Faculty and Its Development e definiu eugenia como o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades das futuras gerações seja física ou mentalmente. No fundo, a eugenia é uma ciência que estuda o modo como se pode aperfeiçoar as qualidades biológicas dos seres humanos. Isto não implica necessariamente nenhuma forma de infanticídio ou esterilização, aliás, é precisamente a partir do nascimento da eugenia como ciência que se distinguiu a “eugenia negativa” da “eugenia positiva”. A eugenia negativa representa, de facto, as práticas acima descritas (esterilização em massa, genocídio de deficientes, etc) e consiste essencialmente em eliminar o joio para promover o trigo, por assim dizer. Por oposição, a eugenia positiva representa uma tentativa de melhorar as qualidades das futuras gerações através da reprodução seletiva. Aqui não se advoga a eliminação dos genes defeituosos pela força, mas sim pela sua diluição em genes superiores. Não se trata de eliminar aqueles que são “maus”, mas sim de aperfeiçoar aqueles que são “bons”.

É nesta última forma que se devem centrar os nossos esforços, é na eugenia positiva que devemos investir.

Mas porquê?

A resposta a esta pergunta é um tanto quanto intuitiva. Questionar o porquê de querer ser mais forte, mais inteligente ou mais saudável é como questionar o porquê de querer ser rico. Não é preciso pensar muito para entender as óbvias vantagens que seres humanos aprimorados podem trazer. De facto, nós próprios, no nosso dia-a-dia tentamos sempre aperfeiçoar-nos. É por isso que lemos e estudamos (para ficarmos mais inteligentes), que fazemos exercício físico (para ficarmos mais fortes) e que cuidamos da alimentação (para sermos mais saudáveis). A sociedade como um todo só tem a ganhar com o aperfeiçoamento genético. Até mesmo a nível económico-financeiro há inúmeras vantagens. Por exemplo, numa sociedade de pessoas superinteligentes o rendimento das famílias aumentaria muito pois as pessoas saberiam facilmente fazer investimentos financeiros e fazer uma melhor gestão do dinheiro. O conhecimento científico e tecnológico também dispararia o que teria impactos muito positivos na nossa qualidade de vida. Por outro lado,numa sociedade em que as pessoas são imunes a doenças os gastos com saúde pública seriam drasticamente reduzidos e poder-se-ia aproveitar o dinheiro para investir noutras áreas.

Já diz o ditado: “mais vale prevenir que remediar”. E a eugenia é no fundo uma ciência de prevenção. É mais fácil (e económico) garantir que todos nascem com inúmeras qualidades físicas e cognitivas do que lidar com os problemas que a falta dessas qualidades conduz.

Como?

Existem essencialmente duas formas de se efetuar a eugenia positiva. A primeira é a já referida reprodução seletiva. Esta é a mais elementar de eugenia e baseia-se na ideia de que determinadas características físicas e mentais podem ser aprimoradas através da sua hereditariedade. É ponto de vista completamente correto do ponto do ponto de vista científico, à luz das teorias evolucionistas e darwinistas. É desde já algo que os humanos vêm fazendo desde há milhares de anos com plantas e animais. Boa parte das frutas e legumes que hoje comemos são o resultado de uma seleção artificial que teve como objetivo proporcionar frutas/legumes maiores e com melhor sabor. O mesmo se passou em relação aos animais. Grande parte dos animais domesticáveis de hoje em dia são o resultado de um cuidadoso processo de cruzamentos que sempre visaram a criação de animais mais úteis ao ser humano.

Não é, portanto, nada de estranho à nossa sociedade. Ao nível do ser humano, também está bem estabelecido que filhos de pessoas inteligentes tendem a ser também elas inteligentes. No fundo,qualquer fator hereditário pode ser melhorado através de cruzamento seletivo.

No entanto, existem alguns problemas. Um deles é o facto de não ser tão fácil fazer em humanos aquilo que se faz com animais e plantas. Primeiro porque critérios biológicos estão longe de ser os únicos que se usam na escolha de um parceiro. Existem outras coisas a considerar tais como, a beleza ou o carácter que saem bastante do âmbito da objetividade animal. E segundo, porque não podemos simplesmente forçar as pessoas a reproduzirem-se com quem elas não querem, pois isso seria uma grande violação da liberdade individual que uma sociedade democrática não pode aceitar. Não obstante, o grande problema deste método é que não produz resultados imediatos, isto é, demora bastante tempo até que sejam visíveis as melhorias desejadas, e se queremos resultados imediatos temos de optar por outro método.

Esse outro método é nada mais,nada menos do que a engenharia genética. A engenharia genética processo de manipulação dos genes num organismo, geralmente fora do processo normal reprodutivo deste. A reprodução seletiva supramencionada é de certo modo uma forma de engenharia genética, na medida em que os animais ou plantas expostas ao processo vão sendo geneticamente modificados de geração em geração. Mas quando falo em engenharia genética, estou a referir-me a um processo de manipulação direta do genoma e do ADN. Embora em menor escala que o método da seleção artificial, a engenharia genética também já é utilizada em plantas e animais, com propósitos semelhantes. A agricultura e as ciências médico-farmacêuticas já se desenvolveram bastante através da utilização de técnicas de engenharia genética.

Resta-nos, portanto, começar a aplicar este tipo de engenharia em seres humanos. Atualmente ainda não temos tecnologia capaz de modificar diretamente o genoma humano de maneira consistente, mas muitos avanços estão a ser feitos nesse sentido. Por exemplo, em 2018 foi anunciado o nascimento dos primeiros 2 bebés geneticamente modificados .Estes bebés (gémeos) foram criados in vitro com o propósito de se criarem os primeiros seres humanos imunes ao vírus da SIDA, o que segundo o líder da experiência foi um sucesso. É com bons olhos que vejo este tipo de avanços a acontecer e é com otimismo que espero que este tipo de práticas que se tornem cada vez mais recorrentes. É através deste tipo de técnicas que podemos criar seres humanos cada vez melhores do ponto de vista biológico. Num futuro não tão longínquo assim, a maior parte dos embriões vão ser desenvolvidos em laboratório e pais poderão escolher exatamente que tipo de filhos vão querer ter. Esta será a mais bela e mais eficaz forma de eugenia.

Ao longo da história vários regimes políticos sonharam com a criação de um “homem novo”, um ser humano superior aos restantes, mais forte, inteligente e saudável, mas só agora é que esse sonho começa a ser possível. A ideia de se criar um Homem superior através da eugenia pode parecer alarmante aos olhos de mentes mais sensíveis, mas a verdade é que esse é o caminho. Vários cientistas proeminentes já se renderam à ideia da eugenia positiva, como a Richard Dawkings e Richard Flynn, e até o já falecido Stephen Hawkings admitiu que a criação de uma raça de “superhumanos” é uma possibilidade real . Por mais que, hoje em dia, a ideia nos pareça absurda é preciso lembrar que há 50 anos a ideia de tablets, smartphones ou computadores portáteis também parecia absurda. A ciência avança de forma cada vez mais rápida e muitas coisas que achávamos serem pura ficção científica estão agora a aparecer. É preciso ser um otimista em relação ao futuro, é preciso não ter medo dos avanços científicos e, sobretudo, é preciso não ter medo de querermos ser cada vez melhores. E se a eugenia não nos tornar melhores pessoas, pelo menos tornar-nos-á melhores humanos.

Imagem: Wikipedia

Tomás Manita

Estudante da licenciatura de gestão de recursos humanos do ISCTE-IUL. Membro fundador do Falatório.

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