As facetas do Teletrabalho

Jul 21, 2020
Crónicas

O que era expectável de uma evolução do modo de vida tecnológico viu-se acelerado devido à necessidade de confinamento. Resultante do contexto atual, o conceito de teletrabalho tem ganho cada vez mais aderentes. Uma opção para alguns e um privilégio para muitos... Será que os “prós” deste re-inventado método de trabalho compensam os “contras”? 

Um novo indicador económico?

Como consequência da queda do produto a nível mundial devido à crise pandémica, a capacidade de uma economia para o teletrabalho tem-se tornado um método para avaliar a robustez da economia face a este tipo de crises. Uma economia mais capacitada para trabalho remoto, terá, em princípio, uma menor queda do produto, em caso de confinamento, do que outra que não tenha a mesma facilidade em “translacionar” o seu processo produtivo para um meio doméstico. Segundo dados de um estudo da OCDE, 35% do trabalho realizado em Portugal pode ser executado em teletrabalho, sendo que, esta percentagem pode não corresponder ao que está a ser implementado. Este valor encontra-se em conformidade com a média dos países que integram a OCDE, e superior ao de grandes potências como os Estados Unidos da América, com um valor de 32%. Cria-se então um novo indicador económico, que mede a resiliência de uma economia, mediante a sua capacidade em manter a produção num cenário de crise de saúde pública.

Um novo potenciador de desigualdades

Atentando ainda no estudo referido acima, vemos que, se 35% dos trabalhos são passiveis de ser realizados remotamente, é certo que os restantes 65% não o são. É nestas percentagens que fica claro que o teletrabalho não é um direito ou uma escolha, mas um privilégio. Um privilégio que acentua ainda mais as desigualdades sócioeconómicas e as assimetrias territoriais/regionais.

Relativamente à primeira vertente das desigualdades referidas, não é difícil de imaginar que os trabalhos que podem ser “remotizados” são aqueles que, na sua maioria, requerem um nível superior de formação e, consequentemente, aqueles que permitem uma maior remuneração. São os comummente chamados “trabalho de escritório”. Contrariamente, trabalhos como servir em restaurantes, construção civil, trabalhadores de comércio a retalho (lojas), serviços de limpeza, operadores de transportes públicos, assistentes em lares de 3ª idade e muitos outros, não só têm de ser realizados presencialmente como são muitas vezes os menos remunerados. São trabalhos onde os trabalhadores estão mais expostos, tanto ao vírus como a uma situação de desemprego, e são aqueles que, em caso de contaminação ou despedimento, terão mais dificuldades em suportar despesas médicas e/ou a falta de rendimentos inerente a um despedimento.

Em relação às assimetrias regionais, temos que, ainda segundo os mesmos dados da OCDE, as zonas rurais (que correspondem maioritariamente ao interior do país) são as que menos capacidade têm para o trabalho remoto, sendo o Alentejo a região mais afetada, com menos de 30% dos trabalhos a poderem ser realizados domesticamente. De realçar que é nas zonas rurais que existe mais concentração de população envelhecida e, por isso, mais fragilizada no combate ao vírus. Já nas grandes cidades existe uma maior concentração de trabalhos possivelmente “remotizados”, com Lisboa a liderar com 43%.

Podemos certamente constatar, que a pandemia (e a situação de trabalho inerente) vem agravar a situação dos mais fragilizados a nível socioeconómico e reforçar assimetrias regionais já existentes, tornando o teletrabalho um privilégio. 

Um novo (anti)depressivo

Segundo um estudo realizado pela ordem dos psicólogos , a saúde mental/psicológica dos trabalhadores já era uma preocupação nos anos precedentes a esta pandemia. Estima-se que, em 2018, a queda na produtividade dos trabalhadores devido a problemas psicológicos tenha resultado numa perda de aproximadamente 3,2 mil milhões de euros para as empresas. Numa realidade onde as doenças psicológicas ainda constituem um eufemismo das doenças físicas, este tema acaba por nunca receber a devida preocupação. Ou seja, as empresas continuam a desvalorizar a saúde mental dos seus trabalhadores.  

Com o cenário atual de crise pandémica e a necessidade de trabalho remoto, seria de estranhar que estas previsões melhorassem. A falta de condições no meio doméstico para trabalhar, a dificuldade em delimitar o horário de trabalho com a agenda social e familiar, a falta de convívio, o número de horas acrescidas num único espaço fechado, adicionadas à preocupação do novo vírus e das suas consequências para a saúde, são grandes potenciadores de problemas psicológicos que podem resultar em burnouts, altos níveis de stress e depressão.  Esta é também a previsão da ordem dos psicólogos. O teletrabalho, constitui assim, um fator depressivo para muitos.

Visto que existem sempre os dois lados da moeda, não seria rigoroso considerar que, para alguns, o teletrabalho pode ser um anti-depressivo. Embora em minoria, na minha opinião, existem indivíduos que preferem e beneficiam em trabalhar num ambiente (físico e psicologicamente) individual, tendo a capacidade mental para conjugar as vivências profissionais das pessoais. Penso que este regime de trabalho seria também benéfico para quem vive a grandes distancias do local de trabalho, e que por isso incorre em grandes custos de transporte; para pais com filhos pequenos sem condições para pagar pelos seus cuidados  durante o tempo laboral; ou para quem enveredou pela carreira internacional, que, decerto, beneficiaria de um maior tempo para a família e de um menor desgaste físico e psicológico inerente a este tipo de carreira (viagens constantes e falta de estabilidade no local de trabalho em diferentes países).

Um novo “medo” das cidades

Nas últimas 3 semanas, o setor imobiliário tem registado uma tendência crescente nos pedidos de mudança das grandes cidades para o interior do país. Na realidade, os pedidos nesse período de tempo foram superiores a todo o ano de 2019, segundo informações concedidas ao Expresso. Será esta tendência exclusivamente motivada pelo receio ao novo vírus? Ou o teletrabalho pode efetivamente contribuir para uma descentralização? Independentemente da resposta (provavelmente uma combinação das duas), a hipótese subjacente à última interrogação deveria ser explorada.

A centralização da população nas grandes cidades do litoral constitui um problema há décadas e tem vindo a ser agravado, com a crescente fixação de postos de trabalho nos grandes centros urbanos e o sucessivo abandono das zonas rurais e interiores. Com a possibilidade de teletrabalho,as famílias poderiam ponderar se não beneficiariam de uma vida afastada dos grandes centros cosmopolitas. A comodidade de viver perto do local de trabalho não seria mais um impedimento para procurar outra área habitacional com condições de vida mais aprazíveis. A situação económica favorável do meio rural ou mesmo urbano-rural seria potenciadora desta mudança, nomeadamente as rendas mais baratas e custo geral de vida reduzido comparativamente com as rendas altíssimas dos grandes centros urbanos. Se a aposta no teletrabalho fosse continuada no período pós-pandemia, esta poderia contribuir para uma diminuição considerável das assimetrias regionais do território, potenciar o desenvolvimento de regiões sub-desenvolvidas e travar o sobre-aproveitamento das grandes cidades.

Uma nova realidade

Não é possível prever se o fenómeno do teletrabalho continuará em alta passado este período de pandemia. No entanto, seria a meu ver prejudicial descartá-lo. Em princípio, do ponto de vista das empresas haverá uma tendência para aumentar ou incluir esta modalidade de trabalho no futuro, que permitiria reduzir os custos indexados aos postos físicos de trabalho. Nas situações onde o trabalho remoto é possível, os trabalhadores deveriam poder ter a opção de escolher que tipo de modalidade de trabalho maximizaria a sua qualidade de vida relativamente à sua saúde mental e física, ao seu bem-estar e ao seu modo de vida.

Imagem: Observador

Catarina Marcão

Estudante da licenciatura de economia do ISCTE-IUL. Membra fundadora do Falatório.

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