Recentemente,a TAP tem sido um dos maiores motivos de bipolaridade na opinião publica, particularmente após a renovação do apoio estatal no valor de até 1.2 mil milhões de euros para contrabalançar o prejuízo da empresa de 95 milhões de euros relativo ao ano passado.
A grande questão que se coloca é: seremos eternamente prisioneiros de uma TAP (Todos A Pagar)?
A perspetiva financeira
De um ponto de vista económico e financeiro, interessa analisar o desempenho recente e atual da TAP.
Desde 2008, a TAP só apresentou um resultado líquido positivo em 2016, após a sua privatização em 2015 (sendo que, em 2016 voltou a ser nacionalizada). Os sistemáticos prejuízos, adicionados às sempre presentes dívidas, que nos últimos 10 anos variaram entre 150% e quase 250%, confere um cenário pouco otimista para uma possível recuperação.
Atualmente, segundo dados do “Relatório de Gestão e Contas Consolidadas da TAP (2019)”, o capital da TAP é constituído por 50% de participações públicas, 45% pelos principais investidores privados (Humberto Pedrosa e David Neeleman) e os restantes 5% são compostos por outros acionistas privados. Temos assim que, a nossa TAP é 50% nossa (Estado) e 50% deles (privado). Neste ano, a TAP obteve um resultado líquido de menos (!) 95,6 milhões de euros, sendo que no ano anterior (2018) já tinha apresentado um resultado líquido de menos (!) 58,1 milhões de euros. Pelo primeiro (desastroso) resultado referido, a TAP receberá uma ajuda estatal no valor de até (até ver!) 1,2 mil milhões de euros, que corresponde aproximadamente a metade do valor investido na educação.
Pergunto-me se não teremos caído, já, num ciclo vicioso. Ora, sempre que existe um prejuízo,o Estado acorre solicitamente a ajudar, injetando mais capital, e que, apesar do referido prejuízo, os administradores ainda recebem prémios, embora os acionistas não estejam (aparentemente) a receber dividendos (é no mínimo estranho os acionistas quererem continuar a investir na TAP sem qualquer retorno). É fácil constatar que não existe nenhum incentivo (nem publico nem privado) para quebrar este suposto “ciclo”, uma vez que ambas as partes parecem lucrar (menos os contribuintes) deste pequeno (grande) questionável negócio. Respondendo à pergunta: sim. É muito provável que estejamos perante um cenário vicioso.
A resposta seria diferente caso não se tivessem distribuídos prémios e houvesse certeza de que não se distribuiu nenhum “tipo de dividendos” (sou bastante cética neste aspeto), pois nesse caso existiria um descontentamento que incentivaria uma mudança.
A perspetiva social
De um ponto de vista social, temos que a principal preocupação são as deslocações da população dentro do território continental e entre este e o território insular. É, de certo modo, obrigação ou função do Estado acautelar os interesses e necessidades da população, neste caso, permitir boas e acessíveis vias de comunicação entre todo o território nacional, mesmo que incorra em algum prejuízo para o fazer. Incluídas também no argumento anterior, estariam rotas importantes para consolidar as nossas relações comerciais, culturais e sociais com os países pertencentes aos PALOP, entre outros. Face ao exposto, será que, num cenário de privatização, as necessidades de deslocamento da população seriam satisfeitas não só em termos de oferta para toda a procura, mas também oferecendo a respetiva ajuda social (condições/preços mais favoráveis) que seria de esperar de um Estado social? Considero muito improvável que uma empresa privada tenha essa preocupação e sensibilidade sem qualquer tipo de contributo ou incentivo do Estado.
Para além disso, a TAP é uma espécie de símbolo patriótico, contribuindo através do seu serviço, para aludir ao que é português. Os típicos snacks de pasteis de nata em voos curtos, a publicidade que dá visibilidade à cultura e tradições do País, até mesmo a sua mediática revista de bordo “Up” com as melhores sugestões de tudo o que é nacional, são exemplos de que a TAP detém um papel importante na internacionalização do país. Se existisse uma privatização, o mais provável seria a “integração” da companhia nacional numa companhia aérea estrangeira (a Lufthansa mostrou recentemente interesse em comprar a cota detida por um dos principais acionistas da TAP, David Neeleman), e Portugal deixaria certamente de ser o foco de atenção.
Adicionalmente, não podemos ignorar os mais de 10 mil postos de trabalho que a TAP assegura. É certo que muitos seriam mantidos em caso de privatização, mas muitos seriam perdidos. Também não é de ignorar o facto de, se o estado não subsidiasse a TAP, os 1.2 mil milhões de euros poderiam ser alocados a uma causa que servisse também (e talvez até mais) os contribuintes, mas essa reflexão deixo para os leitores.
Desempate
Tendo em conta as duas perspetivas apresentadas acima, conseguimos entender que os argumentos que sustentam a nacionalização da TAP são os de índole social em detrimento dos argumentos económicos, que apontariam para a preferência de privatização. Sendo pouco sensato escolher qual dos argumentos possui mais peso e medida (o social ou o financeiro), vou tentar desempatar trazendo um novo ponto de vista à discussão. A concorrência de mercado.
Num mercado onde a esmagadora maioria da concorrência (companhias aéreas estrangeiras) é apoiada pelo estado, é bastante improvável que uma companhia sem este apoio consiga encontrar um caminho de prosperidade. Num setor onde quase todas as companhias com ajuda estatal conseguem não só manter a sua posição no mercado como gerar lucro, a TAP não consegue. Algo não está certo. Uma empresa que, mesmo com esta ajuda, esteja sistematicamente à beira da insolvência e não consegue “vingar” no mercado, deve, pelas leis de mercado, ser excluída e dar lugar a uma empresa nova, reformada e mais eficiente (que poderia beneficiar de igual modo de ajuda estatal).
O problema social principal (garantir o transporte entre as ilhas e Portugal continental) poderia também ser resolvido sem a existência de uma companhia aérea nacional. Existindo procura por esse serviço de transporte, considero plausível que uma outra companhia se disponibilizasse a fazê-lo. O Estado teria, em princípio, de subsidiar parte do serviço de modo a satisfazer a componente de ajuda social mencionada acima. É de referir que esta solução seria certamente menos dispendiosa que a ajuda de 1.2 mil milhões de euros (só deste ano), mas que em quase nada ajudaria no desemprego espectável e na manutenção do mediatismo que a TAP concede.
O resultado mais plausível, a meu ver, seria uma combinação destes dois últimos pontos apresentados. Adiar a falência da TAP a custo dos contribuintes não me parece solução. O cessar da ajuda social aos transportes das ilhas (e outros) também não. Parece-me então inevitável a falência da TAP e a sua total reconstrução, maioritariamente privada, mas com a devida ajuda estatal para garantir a componente da ajuda social. Durante este processo, a solução do parágrafo acima entraria em vigor. O sucesso estaria distante, mas não inalcançável (a Suíça conseguiu com sucesso trazer de volta lucros à Swissair depois de um processo de bancarrota em 2003). But in the end, o que nos garante que não voltará a acontecer o mesmo à TAP? Nada. Mas a situação atual não se apresenta mais viável, justificando-se assim esta reforma.