Numa altura em que muito se fala de discurso de ódio nas redes sociais, parece-me pertinente abordar este tema. Num mundo cada vez mais digital, as redes sociais tornaram-se as maiores plataformas de difusão de notícias, informação e debate, superando em muito os meios de comunicação mais tradicionais como a rádio e a televisão. Esta mudança foi inicialmente deveras positiva por diversas razões: em primeiro lugar, permitiu uma maior generalização do debate e uma maior acessibilidade à informação, na medida em que cada um pode deixar o seu contributo e a sua opinião de forma muito mais fácil e simples; em segundo lugar, as redes sociais e a internet em geral, abriram a porta ao surgimento de vários media independentes, que não estando amarrados aos interesses politico-financeiros que controlam a televisão e os jornais, proporcionavam ao cidadão informação mais transparente e imparcial.
Tudo isto, repito, numa fase inicial do desenvolvimento das redes sociais,principalmente no Facebook e Twitter. À medida que a popularidade e importância da internet foi crescendo, os interesses obscuros dos media tradicionais foram aos poucos infiltrando-se também na internet, o que levou a que aos poucos, espaços antigamente livres se tornassem nos piores antros de censura e manipulação de informação. Isto é triste e, principalmente, problemático, pois aquilo que eram antigos redutos da liberdade de expressão e informação, são agora espectros da perseguição ideológica.
Muitas das suspensões e banimentos nas redes sociais são em nome daquilo que se tem vindo a chamar de “discurso de ódio”. O discurso de ódio costuma ser definido como um discurso racista, xenófobo, homofóbico, misógino, islamofóbico, e muitas outras palavras que de tão repetidas que são vão perdendo o sentido. Impedir o surgimento de ideologias radicais e extremistas é, sem dúvida, uma intenção nobre, todavia, os efeitos das políticas antidiscriminação perpetradas pelas várias empresas, são bastante nefastos e danosos para a liberdade de expressão e muitas vezes acabam por ter o efeito contrário daquilo que pretendem.
Grande parte daquilo que é considerado como discurso de ódio não é de facto incitação ao ódio, mas apenas opiniões divergentes do pensamento dominante e da moral moderna. A mera discordância com os dogmas morais e políticos instituídos (o chamado “politicamente correto”), entra logo no âmbito do discurso de ódio e passa a ser passível de censura. Hoje em dia, o combate ao extremismo não é mais do que uma desculpa para censurar opiniões inconvenientes, que não vão de acordo com aquilo que o status quo nos quer incutir.
Mas ainda que o discurso de ódio fosse, efetivamente, uma apologia a ideias racistas,xenófobas, etc., estas não deveriam ser censuradas nem impedidas de serem expostas. E digo isto por várias razões:
1. Efeito contrário: Nada é mais eficaz a convencer alguém de que está certo do que censurá-la. A ideia de que temos todo um sistema contra nós é um grande indício de que estamos no caminho certo.Assim, impedir certas pessoas de se expressar, acaba por as radicalizar ainda mais, tendo o efeito contrário daquilo que se pretende.
2. Ódio vs Opinião: A liberdade de expressão é um princípio fundamental da nossa democracia, e, por muito que nos custe, isto implica conviver com opiniões com as quais não concordamos. Por mais que consideremos uma opinião odiosa, é mais odioso ainda querer proibi-la.Opiniões que façam apologia ao ódio, que sejam preconceituosas ou que impliquem descriminação, são, apesar de tudo, opiniões completamente legítimas e que cabem no âmbito da liberdade expressão.
3. Impossibilidade de contraditório: A melhor forma de combater uma ideia que não concordamos, não é impedindo-a de ser exposta, mas sim rebatendo-a com outras ideias, factos e argumentos que a refutem. Más ideias não se destroem através da censura, mas sim através do bom-senso e da razão. Alguém que seja censurado está impossibilitado de perceber o seu erro, na medida em que em vez de se explicar o porquê da pessoa estar errada, apenas se ignora e desconsidera o problema.
Apesar de tudo,o mais grave nem é as redes sociais censurarem os próprios utilizadores.Afinal, o Facebook, Youtube, Twitter, entre outros, são tudo empresas privadas que estão no direito de regularem os próprios serviços. O verdadeiro perigo é quando são os próprios governo a adotarem este tipo de condutas. Em Portugal já temos a Comissão para a Igualdade de Género e a Comissão Contra a Discriminação Racial, autênticos órgãos censuradores que melindram a liberdade de expressão.Não contentes com isso, os nossos governantes creem também ser necessário monitorizar as redes sociais e outras plataformas online, como anunciado no passado dia 1 de julho. Numa atitude digna de um livro do George Orwell, a ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, afirma que o objetivo é perceber aspetos como a forma de propagação deste discurso na internet, as mensagens que contém, identificar autores e monitorizar processos de queixas. Isto não só é uma grave violação dos nossos direitos de privacidade, como é também uma primícia de atitudes (ainda mais) totalitárias que estarão para vir.
A Europa,incluindo Portugal, passou, no século XX, por ditaduras agressivas que limitavam fortemente a liberdade de expressão, censurando ideias consideradas subversivas e incorretas. Era suposto termos aprendido a lição, mas, na prática, muitas vezes fazemos aquilo que faziam os regimes autocráticos. Aquilo que mudou foi a natureza das ideias censuradas- antigamente censuravam-se ideias comunistas, liberais ou igualitárias, enquanto atualmente censuram-se ideias “politicamente incorretas”. Vivemos naquilo que eu chamo a “censura dobem”, pois esta é feita em nome de ideais supostamente bons, como a igualdade e o progressismo. Em nome da tão apregoada tolerância, cometem-se atos muito pouco tolerantes, e isso é que não podemos tolerar. Há que combater este paradoxo do liberalismo, ou arriscar-nos-emos a passar da “censura do bem” para a “ditadura do mal”, sem sequer nos darmos conta.
Imagem: Debate.org