200 anos para a igualdade

Jul 28, 2020
Crónicas

Os países do sul da Europa, no qual Portugal se insere, são vulgarmente incluídos num modelo de organização social em que a família é vista como o principal agente promotor do bem-estar social. Contudo, paradoxalmente, são nestes mesmos países que se verifica que existe uma natalidade inferior, uma menor partilha de tarefas no que diz respeito à realização de trabalhos domésticos e à prestação de cuidados para com dependentes (crianças e idosos) entre homens e mulheres, tal como se observa o maior número de casos de violência doméstica.

Insólito, desconcertante e até mesmo um pouco repudiante que a igualdade de género não seja ainda uma realidade. No entanto, o mais grave é que, segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as desigualdades de género estão tão presentes na nossa sociedade como há 20 anos atrás. De acordo com este mesmo estudo, em Portugal, os homens ganham cerca de 22,1% a mais do que as mulheres, sendo esta discrepância mais acentuada do que a que se verifica a nível mundial, cujo o valor é de 18,8%.

Com o intuito de promover a igualdade, é fulcral que se recorra, não só a instrumentos políticos, como se utilize novos métodos afim de se conseguir educar a população e ultrapassar este obstáculo de caráter estrutural que se encontra profundamente enraizado na nossa sociedade. Apenas se conseguirá resolver este problema através de uma mudança de paradigma, onde para isso, é fundamental que se crie condições para a emancipação das mulheres e se deixe de incutir junto dos mais novos estereótipos relacionados com o género. Por exemplo, é absurdo que existam cursos e profissões que sejam associadas a cada um dos géneros. Porque é que a área das Engenharias é caraterística de homens e a enfermagem de mulheres? Se pensarmos bem, existem imensas conceções neste e noutros domínios que nos são socialmente incutidas e que não têm nexo nenhum.

Os países escandinavos são uma referência ao nível mundial no combate à desigualdade de género, porém dentro deste grupo, o que mais se destaca é a Suécia, tendo mesmo apresentado na década passada um governo assumidamente feminista. Há muito que este país tem vindo a abandonar o modelo male breadwinner, apresentando a mulher um papel cada vez mais ativo no mercado de trabalho e desempenhando progressivamente também mais cargos de liderança. Deste modo, existe uma utilização mais eficiente do capital humano, o que conduz a melhores performances do ponto de vista económico.

De acordo com o estudo desenvolvido pela OIT, as empresas que apresentam uma representatividade mais equilibrada de ambos os géneros ao nível dos órgãos de decisão tendem a obter melhores resultados financeiros comparativamente aquelas que têm uma estrutura de liderança menos diversificada. Deste modo, constata-se aquilo que há muito a própria Suécia através da sua elevada performance económica já tinha demonstrado ao mundo, a importância da participação da mulher no mercado de trabalho.

Ao longo dos anos, a Suécia tem vindo a desenvolver um conjunto de medidas com o propósito de fortalecer o papel das mulheres no mundo laboral. Neste sentido,fora construída uma rede pública de serviços socais, com creches e lares de idosos, com o objetivo de libertar as mulheres desta responsabilidade e conseguirem concentrar-se na formação de uma carreira. Além disso, foram também aumentados e igualados os dias de licença de parentalidade para ambos os géneros, alterado o sistema de ensino de forma a produzir gradualmente uma mudança de paradigma junto dos indivíduos e criado em termos sociais e políticos uma pressão crescente para que as empresas empreguem mais mulheres em cargos de chefia. É fruto destas e de muitas outras políticas que este país, não só é uma referência ao nível da igualdade, como da promoção da importância da mulher na sociedade atual.

A igualdade de género encontra-se consagrada na Declaração Universal dos Direitos Humanos desde 1948, todavia existe um longo caminho que ainda tem de ser percorrido até que esta forma de discriminação deixe de fazer parte da nossa realidade. Segundo o World Economic Forum, serão precisos pelo menos mais 200 anos para que haja uma alteração de paradigma, o que é demasiado tempo. Serão precisos mais 200 anos para que milhares de mulheres deixem de ser vítimas de violência doméstica anualmente? Serão precisos mais 200 anos para que as mulheres possam ter uma remuneração igual à dos homens? Serão precisos mais 200 anos para que o papel da supermulher que cuida dos filhos, toma conta da casa e ao mesmo tempo trabalha, desapareça? Espero que não, mas para tal, é necessário que se verifique uma mudança de costumes.

Imagem: Observador

João Patronilho

Estudante da licenciatura de economia no ISCTE. Membro do Falatório.

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